Influência começou durante colonização. Pesquisadores chamam atenção para proteção das línguas dos povos originários; cerca de 1 mil foram ‘perdidas’ desde 1500. Indígena na terra Xikrin do Cateté, no Pará
Elienai Araújo/Prefeitura de Parauapebas
Existem palavras na língua portuguesa falada no Brasil, na atualidade, surgiram de línguas de povos indígenas, como o Tupinambá e Tupí-Antigo. A maioria está ligada à natureza, como saruê, caju e cajá (veja outras mais abaixo). 🗣️
Saruê, caju, cajá, ‘Nhenhenhe’, cuia e capivara são exemplos de palavras usadas na língua portuguesa a partir das línguas dos povos originários. De acordo com Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, linguista de línguas indígenas e professora da Universidade de Brasília (UnB), essa influência no português começou na época da colonização do Brasil.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp.
“Tanto os portugueses, como os franceses e holandeses tiveram que aprender essas línguas, pois, naturalmente, os colonizadores eram minoria e os indígenas maioria”, fala Ana Suelly.
Em 1993, o linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues estimou que cerca de 1.2 mil línguas eram faladas no ano de 1500. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), atualmente o Brasil tem, em média, 250 línguas.
Da língua originária à língua portuguesa
A professora Ana Suelly listou algumas das palavras usadas na língua portuguesa que surgiram do Tupinambá, que acabou sendo a língua mais usada pelos colonizadores e pela igreja para se comunicar com os indígenas (saiba mais sobre a colonização abaixo).
👋 Verbos (ações):
Cutucar
“Nhenhenhe”
🐻 Mamíferos (classe de animais):
Capivara
Cutia
Paca
Saruê
Mucura
Guariba
🪴 Plantas
Mandioca
Caju
Cajá
Seriguela
Ingá
Jenipapo
🪇 Objetos
Maraca
Cuia
A importância de preservar as línguas dos povos originários
O pesquisador Joaquim Maná, do povo Huni kuī da região do Acre, falante da língua hãtxa kuī, lembra da importância dos povos se organizarem para ensinar sua língua, principalmente para a geração mais nova. Segundo ele, alguns povos originários trabalham para atualizar dados sobre as línguas faladas no Brasil do século 21.
Wary Kamaiura Sabino, professor e linguista, da etnia Kamaiurá, é falante das línguas Kamaiurá e Aweti, do território indígena do Xingu em Mato Grosso. Ele destaca que as línguas indígenas são mais “fortes” nas aldeias tradicionais, onde o povo não tem tanto contato constante com não indígenas.
“[É preciso] debater o tema em sala de aula, envolver toda comunidade. Liderança, caciques, anciã e anciãos, porque a língua e a cultura andam juntas e são identidades da etnia”, diz Wary.
Iram Kavsona Gavião, da etnia Ikóléhj Gavião e falante da língua dos Ikóléhj, é da Aldeia Ikóléhj, localizada na Terra Indígena Igarapé Lourdes em Rondônia. Ele diz que assegurar os direitos dos povos é essencial para proteger as línguas.
“Desde o início da invasão do seu território, os povos indígenas sofreram um abalo na sua estruturas organizacional, principalmente nos espaços que são a base essencial para manutenção de suas identidades, como as línguas, culturas e suas histórias”, diz Iram.
A colonização
Desembarque dos portugueses em Porto Seguro.
Reprodução/Obra de Oscar Pereira da Silva, de 1904.
A pesquisadora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral conta que quando os europeus chegaram ao Brasil, se concentraram na costa do território e passaram por regiões habitadas por indígenas falantes de duas línguas próximas, o Tupí Antigo e o Tupinambá. Por serem minoria, os europeus tiveram que aprender as línguas faladas na região.
No século XVII, o Tupinambá acabou sendo usado pela igreja e também pelos colonizadores, como nas missões jesuíticas, que tinha o objetivo de catequizar os povos.
“A língua dos Tupinambá foi se modificando quando deixou de ser falada nas aldeias, sendo usada como língua geral de índios e não índios, dando origem a uma outra língua, a língua Geral Amazônica”, diz Ana Suelly.
A professora conta que essa língua geral passou a ser chamada de Nheengatú e, mais modernamente, de Ingatú. Ana Suelly também destaca que muitas outras línguas indígenas, no decorrer da história, influenciaram o português, como a Bororo.
Línguas do Brasil
Entre os desafios apontados pela professora Ana Suelly para proteger as línguas estão:
Incrementar os currículos das escolas de cidades para onde migram os indígenas, de forma que contemplem as diferentes línguas e culturas;
Criar programas de tradução para as línguas indígenas;
Garantir a demarcação e/ou monitoramento das terras indígenas;
A professora explica que línguas como a Kaingáng e a Tikúna possuem população de falantes acima de 40 mil, “mas há línguas de povos que foram vítimas de extermínio e que só restaram poucos indivíduos”.
Segundo a pesquisadora, atualmente só restam três mulheres do povo Akuntsú, restam três adultos e uma criança dos Kanoé, e restam três adultos e, possivelmente, outros membros do grupo ainda sem contato, do povo Piripkura.
Traduções recentes
Dia da Amazônia é celebrado com hino nacional em línguas indígenas
Em 2022, indígenas celebraram o Dia da Amazônia com a gravação do Hino Nacional em línguas nativas (veja vídeo acima). No ano seguinte, a Constituição ganhou a primeira tradução oficial em uma língua indígena, a Nheengatu – tipo de língua geral amazônica.
O Nheengatu tem origem no tronco linguístico do tupi, com algumas influências do português.
Aprenda Nheengatu
Veja como funciona o ‘Nheengatu App’
O “Nheengatu App” é o primeiro aplicativo voltado para o ensino de um idioma indígena brasileiro.
Depois de baixar a ferramenta, o usuário tem acesso a vários exercícios com imagens, para aprender diferentes palavras e frases (veja vídeo acima). Os áudios dos exercícios são feitos por George Borari, professor de Nheengatu da Escola Indígena Borari de Alter do Chão, no Baixo Tapajós.
LEIA TAMBÉM:
ENTREVISTA: ‘Marco temporal é uma vergonha’, diz Ailton Krenak em Brasília, onde está para exposição de fotos
RISCO DE DESAPARECIMENTO: O que faz o Brasil ter 190 línguas em perigo de extinção
Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.
‘Nhenhenhe’, cutucar, capivara: conheça palavras de origem indígena usadas na língua portuguesa

Tags
About Author

Alex Lorel
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua veniam.

Deixe um comentário